Sofia Mota Freitas, 1991

Ler, pensar, escrever, ler o que foi escrito, reler o que foi lido, pensar, reescrever: tem sido esta (arrisco eu) a provável rotina da Sofia desde que ingressou na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Licenciatura em Estudos Portugueses e Lusófonos, mestrado em Estudos Culturais, Literários e Interartes e, agora, doutoramento no curso homónimo. Daí que nos tenhamos encontrado, com naturalidade, na biblioteca da faculdade.

Mas na faculdade não se bebe vinho e, por isso, caminhamos em direcção a um outro lugar. Estamos em Julho, e Sofia Mota Freitas, no final do seu primeiro ano de doutoramento, tem tido umas últimas semanas atribuladas: há que repensar o projecto de tese, escrever e apresentar um relatório.

Conhecemo-nos desde o mestrado, mas terão sido alguns eventos culturais de 2017 e a candidatura a uma bolsa que nos aproximaram. Partilhamos, também, o mesmo orientador (o Professor Pedro Eiras), o que incita naturalmente ao diálogo. Conversas, todavia, nas quais o vinho nunca foi tema. Ou seja, convidei a Sofia para beber um copo e desconheço totalmente aquilo de que ela (não) gosta.

Arrisco dois copos de branco, Quinta da Casa Amarela Reserva 2015. O vinho é bom, mas à medida que vamos falando percebo que deveria ter optado por algo mais frutado, sem madeira, de preferência com a uva moscatel. Os vinhos que mais gostou de beber tinham todos esta casta, dos quais destaca um Niepoort Moscatel Dócil. Consumidora ocasional, opta sempre por branco (eventualmente, rosé). E vinhos do porto? Entre estilo ruby ou tawny, diz preferir o primeiro.

Traçado o seu perfil vínico, começámos a falar sobre o seu percurso académico. Um caso raro, pois apesar de sempre ter gostado de Humanidades, a Sofia tinha boas notas a todas as disciplinas. Assim, antes de mudar-se para Letras, entrou em Medicina e fez o primeiro ano no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Como boa aluna que sempre foi, teria conseguido certamente concluir o curso. Não o quis fazer, suponho que por honestidade própria, por não querer comprometer-se com um futuro que não lhe dizia assim tanto. Admiro-lhe, por isso, a lucidez e a coragem de ter mudado, mesmo sabendo que deixaria muita gente perplexa.

Por outro lado, a dança, desde o ballet a estilos mais contemporâneos, marcou a sua vida desde muito cedo. Atualmente, não dança com a regularidade de outros tempos. Todavia, tem vindo a explorar de forma inovadora a relação interartística com a poesia. Exemplo disso é a sua tese de mestrado, “O Imaginário e a Representação da Dança em Mário de Sá-Carneiro”, que podem encontrar online.

No final, a conversa baloiça entre literatura(s) e vinho(s). Falamos sobre as descrições que aparecem nos rótulos das garrafas e sobre o valor literário de uma nota de prova. Eu conto-lhe uma das mais mirabolantes que já li, acerca de um vinho francês (que envolvia o pescoço perfumado de uma senhora idosa). E depois pensamos em Mário de Sá-Carneiro, nas descrições presentes em “A Confissão de Lúcio” (1914). Fico a imaginar um Sá-Carneiro nosso contemporâneo a escrever deliciosas notas de prova. Ou talvez não. A Sofia conta-me que ele não bebia álcool. A sério? E o Pessoa, o que dizia disso?